quarta-feira, 4 de outubro de 2023

Meu tatuador

Tínhamos nos percebido desde o primeiro instante. Nos vimos e logo nos identificamos, mas continuamos calados e distantes. Toda sexta-feira eu chegava e ele já está lá sentado na cadeira esperando sua vez e eu ficava do outro lado da sala fazendo o mesmo. Trocávamos olhares, mas só. Às vezes ele me pegava olhando e vice e versa. Estava claro uma certa curiosidade, mas ninguém tomava iniciativa. Comecei a sair de casa pensando na roupa que achava que ele gostaria, sem nem saber seu nome. Eu prestava atenção nas suas conversas pelo celular, no estilo de se vestir e nas tatuagens amostra pelo corpo. 
Depois de algumas semanas eu já esperava encontrá-lo, quando certa vez não o vi na cadeira de sempre, procurei rapidamente por outros espaços até sentir um estranho alívio ao revê-lo. Sua presença me cativava e seu sorriso molhava minha calcinha. Uma vez ele dirigiu a mim um comentário disperso sobre o dia, eu reagi sem falar muito, mas entendi que era só uma desculpa para quebrar aquela distância. Conforme passavam os encontros parecíamos mais a vontade um com a presença do outro, já trocávamos bom dia sem estranheza. 
Em outra vez, ele cochilava na cadeira encostado na parede, e eu fiquei calada em outro banco próximo, analisando seus cílios compridos, as falhas da barba e uma tatuagem que fogia do peito por entre os botões da sua camisa xadrez. Acordou quando chegou sua vez de ir embora eu arrisquei perguntar do nada: "você por um acaso não é tatuador não, é?" - ele sorriu e me confirmou que sim e se inclinou em minha direção. Eu fingia normalidade por fora, mas formigava por dentro e me atrapalhei algumas vezes nas palavras ao tentar explicar meu interesse por sua profissão e descrever a minha, que até aquele momento ele havia pensado que também era de tatuadora por causa dos meus rabiscos pelo corpo. Estendeu a mão para se despedir e eu não soube como cumprimentá-lo, me confundi, acabei fechando os dedos nos dele e senti a textura grossa de sua pele. 
Na sexta-feira seguinte eu tentei me conter para não me produzir muito e declarar minha intenção óbvia demais. Ele por sua vez estava muito bonito, não que não fosse antes, mas notei um certo esforço na conjuntura das peças dessa vez. Uma camisa personalizada preta que o vestia tão bem quanto eu gostaria de vestir seu peito. Uma jeans azul na minha lavagem preferida e um boné de aba reta combinando. Eu logo que pude, sentei ao seu lado e comentei da camisa. Fomos conversando daí sem fim, a gente tentava falar e manter os olhos nos celulares como se tentássemos convencer que nossa atenção não era exclusiva. Atravessamos diversos assuntos, inclusive política e problemas sociais, o que foi bom saber, que ele lutava do mesmo lado que o meu. Em alguns momentos eu me distraia com seu perfume, daqueles tipos claramente masculinos e amadeirado, não havia reparado nisso das outras vezes, desconfio que eu teria percebido antes e escolhi acreditar que talvez fizesse parte do esforço para me reencontrar. Às vezes sua imagem ficava muda, o cheiro me fazia hipnotizar junto com seus olhos, que descobri, serem amendoados e combinavam perfeitamente à linha d'água que parecia contornada a lápis. Eu estava bem perto dessa vez e fiquei viciada em sua boca, imaginava como seria um beijo seu e me questionava até que ponto seu cavanhaque me excitaria se rosçasse no meu pescoço. Enquanto eu o ouvia minha língua ficava inquieta e caminhava por entre meus lábios. Eu estava mais tranquila que no início, mas ainda policiava meus olhares. 
 Mais uma semana acontecendo e eu me deparava lembrando do seu sorriso. Não sei se ao menos se lembrava de mim, mas ele sempre vinha na minha cabeça e entre minhas pernas. Viajava com as possibilidades do seu corpo no meu, via seus dedos caminhando por cada parte minha, imaginava como seria o seu gemido de êxtase no auge do seu deleite me consumindo. Parava várias vezes ao dia para contemplar as cenas de suor e satisfação que vinha à minha cabeça e inquietavam meu sexo, me imaginava provando seu gosto enquanto ele bebia do meu. Eu sentia minhas partes úmidas e me divertia sozinha sonhando com suas mãos ásperas na minha cintura me conduzindo pra senti-lo dentro de mim. Flutuava a língua no ar idealizando como seria seu toque, ora doce e delicado, ora furioso e faminto. Ardia querendo que brincasse com meus seios enquanto eu sentasse no seu tesão. Me estimulava e transbordava de loucura nas possibilidades do meu desejo encher sua boca.

Essa agonia me alimentava toda a semana e reabastecia a cada sexta-feira, a atração platônica ficou tatuada em mim e ainda me visita até hoje.



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